Aos 40 anos e com
primeiro CD, cantora potiguar radicada em Curitiba, Paraná, se confirma como
grande promessa da MPB
Maria Aparecida, a Cida Airam, é cantora, compositora, mãe e
professora. Integra o grupo Vocal Brasileirão, mas foi no final do ano passado,
com seu primeiro CD, que leva seu nome, que disse a que veio. Ao lado de
músicos como Alonso Figueroa, Sandro Guaraná, Luis Otávio, Carlos Ferraz e
Thales Lemos, explora a mestiçagem da música brasileira com suas vivências nordestinas
e sulistas. As músicas são suas e de outros autores, escolhidas a dedo. A
temperatura, nas 13 faixas, é sempre a mesma: quente, em maior ou menor grau.
Nesse pacote, Ritual Profano, do Antonio Saraiva, e Aparelho de Memoriar, da
Patricia Polayne com participação da Janine Mathias, já ganharam videoclipes
que você confere na internet. De resto, as histórias dessa arretada você
confere agora mesmo, nas palavras da própria:
Depois de cinco shows, como avalia a recepção do público e da
crítica especializada?
Olha, o público vibra com os ritmos. Se diverte e se
identifica com as letras e se emociona com minhas composições. Para mim, eles (o
público) são mais do que especializados. Quem ouve o meu som não fica com o pé
parado.
Nascida em Natal, Rio Grande do Norte, quais são suas
referências de música nordestina?
Cresci ouvindo o
Mestre Lua, Luiz Gonzaga. Depois ouvi as cirandeiras, o coco de Jackson do Pandeiro,
as vozes fortes e marcantes de Amelinha, Elba Ramalho e das benzedeiras. Ouvi
tanta gente: Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Cátia de França e por aí vai.
O que te levou a sair de sua terra natal para Curitiba? Quais
as diferenças do fazer artístico nesses dois lugares?
Vixe, o fazer artístico em todo e qualquer lugar é muito
especial, específico. O processo criativo de cada artista depende até do clima:
se venta muito, se faz calor demais, se faz frio demais. Tudo isso e muito mais
se reflete na criação do artista. Mas mesmo morando em Natal, cheia de sol e de
água de coco, me sentia presa, amarrada à conceitos machistas e sem motivações.
Estava cansada dos mesmos fazeres artísticos. Resolvi mudar de clima…fui para o
Sul, passar frio e me reinventar. Mas é claro que eu trouxe na bagagem toda a
minha temperatura especial (risos) e fui temperando com as variações climáticas
do meu processo criativo e da própria Curitiba.
Qual foi o critério usado por você para escolher as músicas
dos autores curitibanos gravados no seu CD?
O meu critério é sentir. Nesse CD escolhi cada canção pensando
como eu poderia interpretar cada uma delas e teria que ser cada uma diferente
da outra.
“Eclipse em Meia Lua”, de Arrigo, Careqa e Adriano Sátiro,
tem gravações de um dos autores (Carlos Careqa) e de Rita Benneditto. Como
regravar depois disso? Qual o desafio?
Eu adoro a versão da Rita. O desafio é sempre sair do lugar
comum, do lugar que já foi percorrido. A melodia dessa canção já indica o
caminho que o intérprete tem que ir...eu brinquei um pouco com a divisão
rítmica e conduzi a instrumentação com a voz.
O que você pensa a respeito da polêmica nas plataformas
digitais de música que não dão crédito aos autores? Qual solução?
Vou indicar um artigo
do Luis Ricardo Silva Queiroz: Ética na Pesquisa em Música. Esse texto é uma
tapa na cara do Brasil e mostra como lidar com o respeito à propriedade
intelectual.
Atualmente, a Rede Globo de Televisão está transmitindo a
primeira edição do The Voice Kids. O que acha desse formato de competição para crianças?
Você, que trabalha com elas, como avalia a importância da música nessa fase?
Além de cantora, sou professora de canto
popular e de musicalização infantil e não gosto do programa The Voice. Vou
agora reproduzir o texto da minha professora e orientadora de voz cantada, Ana
Cascardo: “Pensando na
musculatura vocal como se pensa em toda a musculatura corporal, acredito que a
laringe infantil não deve ser exposta a uma excessiva “malhação muscular”, mas
sim a um trabalho focado em aprendizados específicos que favoreçam o seu
desenvolvimento sem comprometê-la. Dessa forma a prática de exercícios vocais
precisa ter um olhar mais lúdico, visando o despertar da consciência corporal
da criança, sua desenvoltura e expressividade. Os treinamentos técnicos
precisam ser cuidadosamente pensados para auxiliar nesse processo. O mais
importante é fazer com que o aluno compreenda que o aumento da força para
emitir notas agudas, favorece a elevação laríngea e a famosa “voz de garganta”
com pouca qualidade e possível quebra vocal. Assim desde muito cedo é preciso
entender que “cantar bem” não é “cantar forte” e sim cantar com expressividade! “
As crianças
ou pais que querem que a criança cante com um “vozeirão” acabam prejudicando o
processo natural da voz e fazendo com que percam sua essência, saia da sua tessitura
vocal de conforto e cante como um adulto. Voz de criança deve soar como voz de
criança. É aí que está a beleza!
Certa vez, Elis Regina disse: “Para interpretar, não precisa
de faculdade”. Qual sua opinião a respeito?
A faculdade é a vida. Cada um escolhe seu caminho para
cantar. Alguns estudam desde pequenos, outros vão cantar em bares e bandas de
baile, outros gravam vários CDs. Para interpretar, aí o buraco é mais embaixo.
Mas não acredito que a faculdade possa formar um intérprete.
No seu CD, tem até carimbó. Como descobriu a música do Pará?
Eu ouvia carimbó desde
menina.
Sua estreia foi lançada no segundo semestre de 2015. Ainda é
cedo para perguntar, mas o que você pensa dela hoje?
Foi uma loucura! A estreia foi num ano conturbado: greves na
educação, secas extremas, enchentes extremas, crise social, política,
econômica, corte de verbas para cultura, poucos editais sendo lançados, meu
filho nascendo, eu sendo mãe aos 40. E eu estava lá cantando a mestiçagem que
tem no Brasil, chutando o pau da barraca e saindo do lugar confortável das
vozes das cantoras genéricas brasileiras.
Leonardo Reis.
Crédito foto: Marcia Kohatsu/Cia de Canalhas.